11 dezembro 2013

Frio e Hipotermia (2ª parte)




Hipotermia

A hipotermia acidental define-se como a descida da temperatura central do corpo até níveis em que as funções musculares e cerebrais deixam de funcionar adequadamente (abaixo dos 35ºC de temperatura central, medida no tímpano ou no recto a 10 cm do esfíncter anal, mas  





se a temperatura central estiver abaixo dos 24ºC será preferível um termómetro transesofágico).





Em função da temperatura central, a hipotermia pode-se classificar em vários graus:

. Hipotermia grau I (35-32ºC): vítima consciente, com calafrios.
. Hipotermia grau II (32-28ºC): vítima com baixo nível de consciência e sem calafrios.
. Hipotermia grau III (28-24ºC): vítima inconsciente.
. Hipotermia grau IV (24-15ºC): vítima com morte aparente.
. Hipotermia grau V (<15 9="" hipotermia="" irrevers="" morte="" ou="" p="" por="" vel.="">






O tempo aproximado de sobrevivência em água fria é o seguinte:

. 0ºC: 10 minutos.
. 5ºC: 30 minutos.
. 10ºC: 1,5 hora.
. 15ºC: 6 horas.






Condições que favorecem a hipotermia

. Temperatura fria: uma pessoa enterrada numa avalanche, esfria 3ºC por cada hora.

. Altitude: a temperatura exterior diminui cerca de 0,5ºC por cada 100 metros de altitude.

. Vento: pode-se multiplicar por 10 o efeito do frio.

. Húmidade: pode-se multiplicar por 14 o efeito do frio.

. Equipamento desapropriado.

. Fadiga.

. Desidratação.

. Fraca ingestão de alimentos energéticos.

. Desconhecimento da hipotermia dos seus sinais, sintomas e tratamento.

. Ingestão de álcool.








Sinais e sintomas de hipotermia

Quando o corpo começa a esfriar, inicia-se uma fase de “luta” com o aumento da produção de calor (tremores, etc) e descida da perda de calor (constrição dos vasos sanguíneos, etc). Por volta dos 33ºC a produção de calor pára e posteriormente, acabam por falhar os mecanismos que evitam a perda de calor, automantendo-se a hipotermia à volta dos 30ºC.








Sinais e sintomas de hipotermia

Hipotermia ligeira (36-37ºC)

. Normal, o individuo pode começar a tremer.








Hipotermia ligeira (35-36ºC)

. Sensação de frio, pele fria, se estiver quente não está hipotérmico.

. Tremores mais intensos, mas ainda os consegue deter voluntariamente.

. Atitude negativa e perda de interesse.

. Perda da coordenação motora devido à restrição do fluxo sanguíneo periférico, não se conseguem realizar tarefas complexas com as mãos (esquiar, escalar) mas ainda se consegue caminhar e falar.








Hipotermia Grau I (32-35ºC)

. Tremuras violentas que não se consegue deter voluntariamente.

. Consciente, ainda que possa existir falhas na fala, confusão e letargia.

. Piora a coordenação muscular.

. Movimentos lentos.

. Se o individuo caminha tropeçando, se não conseguirem dar 30 passos em linha recta, possivelmente existe hipotermia.

. Conduta irracional. O hipotérmico tira a roupa apesar do frio.







Hipotermia Grau II (30-32ºC)

. A tremura passa, apesar do frio.

. Transtornos de consciência. Apatia, confusão, delírio. Conduta irracional e incoerente, mas consegue manter a postura e uma certa aparência de coerência.

. Pele azulada.

. Coordenação muscular muito pobre, não consegue caminhar, coloca-se em posição fetal para conservar o calor.

. Não se consegue apanhar o pulso radial devido ao colapso vascular. No entanto ainda se consegue apanhar o pulso carotídeo.








Hipotermia Grau II (28-30ºC)

. Rigidez muscular devido à acumulação de ácido láctico muscular, originado pela redução do fluxo sanguíneo periférico.

. Semi-inconsciência, esturpor.

. A 32ºC o corpo tenta hibernar, reduzindo o fluxo sanguíneo periférico e diminuindo a frequência cardíaca e respiratória.

. Possibilidade de fibrilação ventricular (arritmia grave).

. Dilatação pupilar.

. A 30ºC o hipotérmico parece morto, no entanto pode estar vivo. Se estiver em posição fetal e quando lhe separamos o braço, ele volta à posição fetal, então está vivo.








Hipotermia Grau III (26-28ºC)

. Inconsciência.

. Respiração e frequência cardíaca erráticas, o pulso carotídeo pode não ser detectado.

. Pupilas não reactivas.








Hipotermia Grau III (24-28ºC)

. Edema pulmonar, falha cardio-respiratória, fibrilação ventricular, morte.

. Quando a temperatura central está entre 28-32ºC, a mortalidade ronda os 21%.








Hipotermia Grau IV (15-24ºC)

. Morte aparente, não se observam sinais vitais, no entanto o tórax é compressível e os músculos abdominais ainda são depressíveis.








Hipotermia Grau V (inferior a 15ºC ou até 9ºC)

. Morte. Não se observam sinais vitais. Agora o tórax já não é compressível, nem os músculos abdominais não são depressíveis.










Prevenção

O melhor tratamento para a hipotermia consiste na sua prevenção, com o uso de roupa seca e estanque, assim como uma adequada hidratação e ingestão de hidratos de carbono, tomando bebidas quentes e açucaradas.






. A roupa deverá constar de várias camadas que eliminem o suor e protejam o corpo do vento e das precipitações.

. A camada interior deve eliminar o suor e a humidade, mantendo a pele seca e retendo o calor, utilizando-se para o efeito, por exemplo camisola de fibra (polipropileno, thermastat, coolmax, etc).

. A camada exterior deve isolar do vento, neve e chuva, permitindo no entanto a eliminação do suor (goretex, sympatex, e fibras similares).

. As camadas intermédias devem reter o calor gerado pelo corpo e permitir a eliminação da humidade (forro polar ou roupa com fibras artificiais ou duvet).

. Não esquecer alguns pares de luvas. Relativamente às luvas pode-se adoptar a mesma filosofia das roupa por camadas.





. Convém saber que a lã é um bom isolante e conserva as suas propriedades, mesmo quando está molhada, enquanto que o algodão perde as suas qualidades quando fica húmido.

. É conveniente retirar roupa antes de se realizar um exercício intenso para evitar que esta se molhe de suor, pois este humedece a roupa e diminui imenso a sua capacidade isolante, ao mesmo tempo que aumenta a perda de calor ao evaporar-se. Quando se descansa, deve-se vestir roupa seca e protegemo-nos, sem esperar que o frio surja, porque então será necessário mais calor para voltar a aquecer o corpo.

. Deve-se usar um gorro de cor clara que proteja tanto do sol como do frio, já que cerca de 20 ou 30% do calor se perde pela cabeça.






Tratamento

Existem recomendações que se devem sempre ter em conta face a qualquer grau de hipotermia: prevenir a perda de calor e aquecer gradualmente a vítima enquanto é transportada para o hospital.






Protecção contra o frio:

. Para evitar um colapso por aquecimento, inicialmente deve-se aquecer o tronco e não a periferia do corpo, portanto não se deve expor a vítima a calor extremo. Não se deve aquecer as áreas congeladas até que a temperatura central do corpo seja de aproximadamente 36ºC.

. Deslocar a vítima para um ambiente quente que proporcione um isolamento efectivo: habitação com ambiente de 23-30ºC, e saco cama aquecido previamente por outra pessoa, bem como mantas de salvamento (convém saber que para proteger do frio deve-se colocar o lado de prata para o corpo e para proteger do calor deve-se colocar o lado prateado para o exterior), etc. Assim pode-se ganhar 0,1-0,7ºC por hora, ganho sem o qual, o acidentado permaneceria demasiado tempo a temperaturas centrais perigosas.

. Isolar a vítima do solo e do vento.

. Agasalhar a vítima com roupa seca e quente. Retirar-lhe a roupa húmida. Se não houver roupa seca, pode-se espremer a roupa húmida o melhor possível. Se não houver outra solução para a vítima, que não seja continuar com a roupa húmida, pode-se cobrir esta com um tecido impermeável para diminuir o esfriamento por evaporação.

. Colocar sacos de água quente ou sacos produtores de calor tipo Heat Wave (que mantém a temperatura de 38ºC durante 6 ou 10 horas) na cabeça, pescoço, axilas, lados do tórax e virilhas e isolar para evitar a perda de calor. Não se devem colocar as fontes de calor directamente sobre a pele para não a danificar, pelo que se devem envolver com alguns tecidos. Desta forma ganha-se 1-4ºC por hora. No entanto existe o risco de produzir colapso por reaquecimento.

. Os banhos ou duches quentes implicam grande risco de colapso por aquecimento, por esse motivo apenas são aconselháveis  na hipotermia ligeira, quando a vítima está consciente e a temperatura seja superior a 35ºC.

. Não esquecer de cobrir a cabeça e o pescoço.

. Para prevenir o agravamento da hipotermia durante os resgates, são utilizados aquecedores de carvão (Heatpeac) com a finalidade de manter a temperatura corporal. É uma pastilha de carvão que ao acender-se liberta calor. De seguida coloca-se um pequeno aquecedor dotado de um pequeno ventilador que distribui o calor por uns tubos de tecido que se colocam em volta do corpo da vítima.








Hidratação

. Devem dar-se bebidas quentes, açucaradas, se for possível a cada 15 minutos e claro se a vítima conseguir tragar a bebida. Esta medida é importante quando a evacuação for atrasada.

. Não se deve dar álcool, pois como é um vasodilatador aumenta a perda periférica de calor.

. Não dar café ou chá, pois como são diuréticos aumentam a desidratação.






Outras medidas terapêuticas

 . Não dar tabaco, pois como é vasoconstritor, aumenta o risco de congelação.

. Tratar as lesões concomitantes. Se as vítimas tiverem de ser imobilizadas, deve-se fazê-lo cuidadosamente de forma a não produzir lesões adicionais nos tecidos congelados.

. Mover com muita suavidade, e se possível em posição horizontal e sem manipular as extremidades, pois existe um risco importante de colapso por aquecimento. Quando aquecemos a periferia (pel, mãos, pés), aumenta a necessidade de oxigénio para estas zonas. A capacidade de bombear do coração, ao estar deprimida pela hipotermia, não consegue levar todo o sangue bem oxigenado que se necessita para compensar este aumento do consumo de oxigénio. Além disso, a dilatação dos vasos sanguíneos periféricos resultante do aquecimento provoca uma recirculação de sangue frio da periferia para as vísceras esfriando-as. Isto implica descida da temperatura central do corpo, que pode originar uma arritmia cardíaca grave (fibrilação ventricular) e, inclusive, a morte. Por esse motivo, quando se retirar a roupa, deve-se usar de extremo cuidado, sendo inclusive melhor cortá-la para se remover sem mover demasiado a vítima.








Contamos com a abordagem deste tema ter contribuído para o enriquecimento do vosso saber sobre esta matéria, de forma a que vão para a montanha devidamente preparados para acautelar uma das piores situações com que nela nos podemos deparar.





Boas caminhadas

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