10 outubro 2012

Atitude comportamental em montanha (parte 2)









Mística de montanha

Se remontarmos à história do montanhismo, verificamos que ao longo dos séculos para numerosas religiões e culturas, as montanhas foram consideradas como lugares sagrados de reunião entre Deus e o Homem, o Homem e o seu interior espiritual, o Homem e a Natureza. Todos os fins procurados pelo Homem no seio da montanha eram de natureza espiritual, religiosa ou filosófica.





O montanhismo como desporto dura à pouco mais de 100 anos. No final do século XIX começaram os primeiros europeus a explorar as montanhas com fins desportivos. A partir daí com o decorrer dos anos, com os avanços científicos e tecnológicos, de forma gradual, o Homem foi perdendo a essência inicial, a “mística” da montanha, abordando-a com um carácter mais competitivo e comercial. Como consequência, os valores, as prioridades, os códigos de conduta, todo o lado místico inerente às montanhas mudaram. Deu-se assim, uma banalização da montanha e dos seus perigos, elevando-se  exponencialmente,  os limites do risco.





Como é óbvio, não foi a montanha que mudou, mas sim a atitude perante ela, o modo como é enfrentada na actualidade. Talvez o montanhismo esteja a cometer o mesmo erro que se verifica na  maioria das disciplinas ou das actividades humanas, ou seja, converter aquilo que se nos escapa - porque a montanha é algo que nos excede e transcenda, que tem a ver com o mistério - e convertê-la em algo manejável, manipulável e sujeita até a ser comercializada.

Tem-se a sensação de que com o decorrer dos tempos, nos levam cada vez mais a “consumir” a aventura, do que a vive-la num sentido mais estricto, mais espiritual.




Como subir uma montanha

O montanhismo é visto por algumas pessoas, como um desporto radical, enquanto que para outros é simplesmente um passatempo excitante que oferece o último desafio de força, resistência e sacrifício. Todavia constitui uma actividade que pode revelar-se  extremamente perigoso e mesmo fatal. A falta de experiência ou de planificação podem ser causadores de lesões e até mesmo da morte, pelo que possuir o conhecimento adequado de abordagem à montanha é muito importante.





Apesar de todos os potenciais aspectos negativos, quando é praticado correcta e conscientemente,  o montanhismo é uma experiência muito excitante e que oferece grandes recompensas físicas, mas sobretudo emocionais.

Investigar – Antes de começar a escalar montanhas, deve-se ler tanto quanto se consiga acerca de habilidades necessárias e sobre a experiência de outras pessoas. É de extrema importância compreender o esforço mental necessário para escalar uma alta montanha e saber como utilizar o equipamento correctamente, assim como estar em boa forma física. Uma das melhores formas de entender isto, será lendo histórias de montanhistas que escalaram muitas montanhas desafiantes ou interessantes.





Avaliar a força mental – Uma boa parte do montanhismo reporta-se à atitude mental, uma vez que será necessário tomar decisões sábias, de forma rápida, acerca de variados desafios com que habitualmente nos deparamos na montanha, como sejam a avaliação e interpretação das variações climáticas, a direcção a seguir, ou a segurança. Para muitos montanheiros, o repto mental é uma grande parte do encanto das saídas para a montanha, porque é retirado completamente do seu confortável gabinete com ar condicionado, para um mundo onde tomar decisões pode ter consequências muito sérias e graves, o que equivale à necessidade de enfrentar novas e correctas ponderações.





Ficar em forma – O montanhismo requer uma boa condição física e grande resistência, porque é uma actividade física muito exigente. Não se pode apenas tomar a decisão de escalar uma montanha, quando se esteve toda a vida numa actividade sedentária de escritório, sem fazer treino físico.





Respeitar o corpo – Apenas se consegue subir uma montanha se for prestada ao corpo a atenção merecida. Temos todo o tempo que a vida nos dá, portanto, ao caminhar, não se deve exigir mais do corpo do que este pode dar. Se caminharmos demasiado depressa também depressa ficaremos cansados e corremos o risco de abandonar a caminhada a meio. No entanto se caminharmos demasiado devagar, poderemos ser surpreendidos pelo caír da noite e podemos perder-nos.





Respeitar a alma – Não se deve repetir a todo o momento “vou conseguir”. A alma já o sabe. O que ela necessita é de usar a caminhada para poder crescer, atingir a plenitude e estender-se pelo horizonte, alcançar o céu. De nada serve consumir-se com um pensamento obsessivo para tentar alcançar um objectivo. Também não se deve dizer “é mais dificil do que pensava”, pois tal tipo de pensamento concorre para que se perca  a força interior.





Arranjar o equipamento – O equipamento para montanhismo é muito específico e é absolutamente necessário. Existem apenas duas opções, ou comprar o próprio equipamento ou (na falta da generosidade de um amigo que o possa ceder temporariamente) aluga-lo. Essencial,  será levar sempre uma lanterna frontal, uma manta térmica, água e umas barras energéticas, sendo que estes itens, bem como o restante equipamento que devem estar em perfeitas condições de uso.





Aprender acerca da ética do montanhismo – Muitas montanhas estão localizadas em áreas remotas do planeta e o montanhismo pode causar um impacto no meio ambiente local. É um grande privilégio poder escalar montanhas no seu estado natural e a maioria dos montanheiros, felizmente, preocupam-se em as manter no seu estado original. Todavia, essa atitude ecológica e de respeito para com a montanha está muitas vezes ausente da atitude de todos quantos não logram apaixonar-se por ela.





O silêncio na Montanha – Procura não quebrar o silêncio e a paz existentes na montanha. Pode-se elevar a voz e gritar, apenas com a intenção de pedir ajuda ou para avisar outros de algum perigo. O silêncio deverá ser a regra, mas não impede que se desfrute dos momentos de harmonioso convívio com aqueles que connosco partilham e saboreiam a montanha.





Não incomodar a Fauna – Não se deve incomodar a fauna existente na montanha. Se nos cruzarmos com um animal num trilho, devemos esperar que se afaste devido à nossa presença, ou então deveremos fazer movimentos com os braços, mas nunca devemos gritar. Se, por exemplo, ao treparmos uma parede depararmos com um ninho com ovos, nunca devemos tocar-lhes, pois a progenitora abandonará esses ovos.





Não prejudicar a flora – Nunca se deve danificar a flora existente. A flora de montanha é realmente delicada e demora muitos anos a regenerar-se. Devemos portanto ter muito cuidado e fazer todos os possíveis para a preservar, principalmente as espécies em vias de extinção.





Respeitar os costumes – Deve-se respeitar sempre os costumes, formas de vida e propriedades dos habitantes locais. O respeito por tais valores constituirá o primeiro passo para que ocorra a aceitação por parte das gentes da montanha, o que promoverá uma integração mais cabal no meio envolvente, que muito passa pela efectiva apreensão do espírito de todos aqueles que convivem quotidianamente com a montanha e que, por isso, melhor a podem compreender.





Manter a Montanha limpa – Nunca se devem abandonar na montanha desperdícios e lixo. Estes devem ser transportados para casa ou para os locais pré-estabelecidos para colocar lixo.





Incompatibilidade do álcool – Antes de iniciar uma saída para a montanha, nunca se deve beber álcool ou consumir qualquer droga, uma vez que nos impedem de manter a mente completamente limpa, consciente e vigilante. O álcool não é compatível com o montanhismo ou o alpinismo.





Meteorologia – Deve ser consultada durante os dias anteriores e em todas as fontes possíveis, analisando-se a meteorologia esperada para a zona e para os dias durante os quais nos propomos realizar a actividade.





Informar o nosso trajecto – Deve-se informar à nossa família, a amigos, num posto da polícia ou no último refugio de montanha por onde passamos, para onde vamos, o tipo de actividade que vamos praticar, o parque de estacionamento onde vamos deixar a viatura e respectiva matrícula e a que horas ou dia contamos regressar.





Se for efectuado um percurso em solitário – Não é aconselhável sairmos sozinhos para a montanha. Mas se tal acontecer, devemos fazer a actividade por percursos já conhecidos, tentar locais com cobertura de rede telemóvel. Especialmente nestas situações, deve-se levar GPS e pilhas suplentes ou bussola e mapa. Deve-se usar roupa de cores reconhecíveis à distância.





Saber como chegar defronte da montanha – Muitas vezes vemos a montanha de longe, maravilhosa, interessante, cheia de desafios, mas quando nos tentamos aproximar, verificamos que está rodeada de diversos  trilhos, que entre nós e o nosso objectivo se deparam bosques e, em suma, que o que parece fácil no mapa, na realidade é muito difícil. Por esse motivo, tendo-se noção que haverá um regresso,  devem-se tentar todos os caminhos, até que um dia encontrarás o caminho certo para chegar ao cume. Entretanto foi-se desfrutando da paisagem e descobrindo novos caminhos, pois a montanha está lá e não sairá de lá.





Escolher a montanha que desejas subir – Não se pode deixar levar pelos comentários dos outros que dizem, “essa é mais bonita”, ou, “aquela é mais fácil”. Convém ter presente que poderá ser despendida demasiada energia e entusiasmo para alcançar o objectivo e portanto quem eleger uma determinada montanha será o único responsável pela sua opção e deverá estar seguro do que estiver a fazer e que o consegue fazer. Cada um deve eleger a sua própria ascenção, de acordo com o seu nível físico e técnico. Nunca devemos sobrevalorizar as nossas forças.





Aprender com quem já percorreu anteriormente os trilhos – Por mais que te consideres único, sempre existirá alguém que teve o mesmo sonho antes de ti, e deixou marcas que te podem facilitar o percurso, locais onde colocar a corda, ramas anteriormente quebradas para orientar  a marcha. A caminhada é de cada um, a responsabilidade também, mas nunca nos podemos esquecer que a experiencia alheia pode contribuir para uma experiência bem sucedida.





Preparar-se para caminhar um quilómetro mais – O trajecto até ao cimo da montanha é sempre mais longo do que pensávamos. Não nos podemos enganar, chegará o momento em que aquilo que parecia perto na realidade ainda está muito longe. Porém, não deverá  ser encarado como um problema, pois a cada passada estaremos sempre mais próximos do objectivo.





Aprender a renunciar – Se nos defrontarmos com um passo comprometedor, para o qual não estamos preparados, seja física, técnica ou psicologicamente, o melhor e de sentido comum será dar meia volta e voltar noutra ocasião quando já estivermos preparados em todos os sentidos. Nunca sejas um temerário e nunca te faças de valente na montanha.





Subir montanhas cada vez mais difíceis – Para subir montanhas cada vez mais difíceis é necessário aperfeiçoar as habilidades e conhecimentos. E não esquecer que quanto mais difíceis sejam as montanhas, mais aumentam os riscos de acidentes.





Procurar um bom guia – Uma das melhores formas e simples de realizar este conselho  será unir-se a um Clube de Montanhismo e, assim, às respectivas actividades.

Preparação para viagens – Se a montanha eleita para escalar se encontrar próxima, serão necessários poucos arranjos preparatórios, mas se ficar situada num local distante, devem ser considerados todos os aspectos da viagem para chegar até ela, fazer reservas de hotel, transporte, etc., tudo questões de logística que convém nunca descurar, uma vez que um simples pormenor pode comprometer toda a aventura.





Muito cuidado na montanha – Quando já estamos verdadeiramente embrenhados no ambiente de montanha, prestes a iniciar a nossa ascenção, é muito importante reler apontamentos e trechos de livros sobre os aspectos que rodeiam o escalar montanhas, procurando também os diálogos com outros montanheiros que já lograram atingir o cume da montanha e aprender com os seus conselhos.. A maoria das ascensões começam muito cedo, pela manhã, para haver tempo suficiente para baixar antes de anoitecer ou se for o caso de pernoitar na montanha e ter  tempo suficiente para procurar um lugar adequado para acampar. Devemos planificar sempre a rota levando em conta as horas de luz disponíveis, prestando especial atenção no Inverno, quando as ditas horas são reduzidas.





Alegria quando chegarmos ao cume – É o momento em que o dourado silêncio cede naturalmente, o lugar à emoção, ao bater de palmas, ao verter da lágrima, ao gritar aos quatro ventos que conseguimos, deixando que o vento lá no alto (porque lá no cimo está sempre vento) purifique a mente, dando descanso aos castigados pés, abrir os olhos, limpar o pó do coração. Pensar que o que antes era um sonho, uma ligeira visão, é agora uma realidade. Conseguiste.





Fazer uma promessa – Aproveitar o facto que se descobriu uma força que nem suspeitávamos possuir, para dizer a nós mesmos que a partir de agora e durante o resto das nossas vidas a vamos utilizar para vencer novos e velhos obstáculos. E com certeza faremos a promessa de descobrir outra montanha e partir sempre para uma nova aventura.





O trajecto não termina no cume – Ter sempre presente que o percurso não termina quando chegamos ao cume, mas que apenas acaba quando regressamos ao ponto de partida. Portanto deve-se sempre guardar forças necessárias para enfrentar o regresso ou descida, mantendo sempre a devida concentração. Muitos acidentes em montanha ocorrem durante as descidas, quando as pessoas estão já relaxadas e perdem a concentração ou quando já lhes faltam as forças.





Comportamento exemplar – O comportamento de um montanheiro deve ser exemplar, tanto com a montanha como com as outras pessoas. A educação, respeito e a predisposição em prestar ajuda, sempre estiveram relacionados com o montanhismo, sendo os seu sinais de identidade. Devemos actuar sempre de forma a transmitirmos uma boa imagem do montanhismo e dos montanheiros.





Contar a história – Sim, é bom contar a história, oferecer o nosso exemplo. Dizer a todos que é possível, e assim outras pessoas sentirão o valor para enfrentar as suas próprias montanhas.





Subir uma montanha é crescer, é realizar uma escalada interior que, passo a passo, pode fazer de cada um de nós uma pessoa melhor.




Muito mais poderíamos falar neste artigo, mas preferimos deixar mais alguns conselhos para a 3ª parte deste tema, de forma a não se tornar demasiado desgastante.

Até lá, muito cuidado na montanha e…

Boas caminhadas

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