04 abril 2012

A neve

Quando o sol brilha, a neve reluz e o nosso ânimo se eleva com as águias invernais, o montanhismo torna-se um sonho. Se a neve for dura e estaladiça, andar sobre ela não é mais difícil do que andar sobre solo firme no verão. Portanto será boa ideia começar o dia bem cedo, mesmo que ainda seja noite, de forma a conseguirmos efectuar alguns kilómetros enquanto a neve está gelada.



As principais diferenças entre a marcha no Verão e no Inverno, são que nesta última é mais lenta e por vezes muito mais lenta e é constantemente necessário averiguar a frustrante mistura de neve fofa e profunda. Também nos obriga a estar preparados para alterar o horário. Uma saída com neve dura pode converter-se em poucas horas de tempestade, numa dura caminhada de regresso sobre neve mole e esponjosa na qual nos afundamos consideravelmente. O mesmo ocorre com os degelos repentinos que provocam o aumento do caudal dos rios, o perigo de avalanches e em alguns casos o rachar do gelo. Quando planearmos uma viagem devemos levar em conta todos estes aspectos, pois no Inverno não se pode ter garantias de nada.



A neve húmida e profunda, obriga-nos a diminuir a passada, enquanto que a neve firme e bem consolidada nos permite progredir a bom ritmo. Quem tenha experiência de caminhar na neve, com certeza procurará sempre que seja possível, a mais dura, para não complicar a vida. A neve existente na vertente de uma crista, costuma ser mole e meio derretida, enquanto que a da outra pendente onde não dá o sol, deverá ser dura e firme. As pendentes arborizadas costumam oferecer um sólo mais estável do que as descobertas, no entanto em certas circunstâncias pode ser ao contrário. Ao fim de algum tempo aprenderemos a reconhecer as condições da neve e a saber qual será o tipo mais adequado para caminhar em cada caso, inclusive a cor da neve fornece-nos pistas para saber a sua firmeza. Saber avaliar as condições da neve é uma arte difícil que apenas se aprende com a experiência, ajudando-nos ainda a conhecer as pendentes mais propícias a uma avalanche.



Teoria da neve

A neve chega ao solo em forma de milhões de diminutos cristais harmoniosamente esculpidos, que após os nevões se acumulam no solo em forma de estratos. Tão rápido como os flocos de neve caem no solo, começa um processo de transformação, a que se dá o nome de “metamorfismo”. Os cristais quebram-se, as suas complexas formas arredondam-se e os lindos e fofos cristais convertem-se numa massa celular. É um processo contínuo que tem início desde o momento que os flocos tocam a superfície do solo e prolonga-se até ao derretimento.



O metamorfismo é originado pela transferência de vapor pelas pontas dos cristais e as partes centrais destes. O cristal reduz em tamanho, mas aumenta muito em densidade. Se a este processo adicionarmos o peso da neve que cai posteriormente e o efeito do vento, que pode penetrar inclusive em neve densa, compreende-se como um metro de neve se pode reduzir a uma quarta parte mais ou menos, em apenas poucos dias, sem que nada derreta.



A este efeito chama-se metamorfismo destrutivo, sendo um nome inadequado, porque na realidade a neve consolida-se. Neste processo de assentamento dos cristais de neve, estes unem-se entre si, e desta forma aumenta a coesão interna das camadas de neve que é maior que as distintas camadas entre si (cada camada é formada pelos cristais que caíram ao mesmo tempo). Esta é a principal causa da instabilidade interna da neve.



Posteriormente tem lugar outro processo conhecido como metamorfismo constructivo. Produz-se ao passar o vapor de água de uma para outra camada de neve por meio de um processo denominado de difusão vertical. A perda de vapor produz nas camadas inferiores uma redução da sua textura e coesão que tem um impacto de debilitamento de todo o interior do manto de neve. O vapor continua a sua ascenção pela neve, até que se deposita sob a forma de gelo numa das camadas superiores dos cristais, aumentando o seu tamanho até se construírem grandes cristais em forma de cúpula, que ficam com uma coesão interna muito fraca. Estes cristais em forma de cúpula são uma das causas mais frequentes de avalanches.



Em climas mais temperados, o metamorfismo constructivo conduz frequentemente a um fortalecimento geral das camadas superiores de neve em deterioramento das inferiores. Com temperaturas muito baixas forma-se geada nas camadas inferiores e esta geada que divide os estratos de neve é muito perigosa porque forma uma base extremamente frágil para as camadas de cima. O perigo aumenta, porque este tipo de metamorfismo pode-se produzir a qualquer profundidade do manto de neve e provavelmente não se detectará, a menos que se examinem as camadas fazendo um buraco para avaliar o estado da neve, ou até que a pendente se precipite em avalanche. As camadas superficiais podem parecer perfeitamente estáveis e nem darem a entender que debaixo delas se oculta o perigo. Devido à coesão precária das camadas de neve, o metamorfismo constructivo e os cristais em forma de cúpula que se originam, pode-se criar um perigo eminente de avalanche.



Estas condições podem ocorrer em qualquer época do ano, no entanto são mais frequentes no início do inverno, quando a camada de neve é ainda pouco profunda e não é fiável e no final do inverno, quando a neve consolidada começa a derreter.

Para os que se internam pela montanha no inverno, a instabilidade da neve é de vital importância, porque viajamos e ocasionalmente vivemos sobre ela. Num ou noutro caso será inevitável depararmos com neve instável que não resistirá ao nosso peso, neve fofa que tornará penoso o nosso caminho, ou placas de gelo que podem originar escorregadelas. A neve instável que pode ocasionar uma avalanche é menos frequente, mas perigosa, logicamente.



Concluimos que a neve é ao mesmo tempo amiga e inimiga, dependendo do clima, do seu estado e da nossa habilidade para a reconhecer.

Tipos de neve

A neve muito coesa, forma-se quando os cristais de neve ficam depositados começando a mudar de forma e do que depende a resistência futura da camada de neve. Quando a temperatura do manto de neve é uniforme em todas as suas camadas e não demasiado baixa, a neve forma cristais arredondados muito ligados entre si, originando assim uma camada muito coesa e muito compacta. Estes cristais são os mais estáveis e persistem durante longos períodos de tempo.



A neve recente é pouco útil para nós, pois não nos proporciona um suporte firme, principalmente se a neve for em pó. No entanto este tipo de neve é boa para esquiar.

A neve húmida ou empapada, caída há algum tempo, tem um tom azulado e é incómodo caminhar sobre ela podendo produzir avalanches. É originada pela subida da temperatura durante o dia, provocando o descongelamento da neve e ficando uma camada de neve pouco compacta e com alto conteúdo de água.



A neve em pó também apelidada de neve de açucar, que não é recente, tem um tom acinzentado e por vezes, os ventos fortes formam no seu exterior uma crosta. Se no manto de neve existirem diferenças de temperatura, a neve forma cristais modelados em facetas, chamados facetados. Estes cristais não criam vínculos fortes, pelo que a camada que se forma é débil e pouco prensada. Este tipo de neve tem uma consistência ligeira e não é compacta, mas sim solta.





A neve em pó dura, consiste numa base compacta sobre a qual cai uma delgada camada de neve em pó.



A Geada de profundidade, aparece quando a neve em pó fica enterrada debaixo de outras camadas. É frequente ocorrerem avalanches quando cai um nevão sobre um estracto deste tipo, originado por um período de tempo frio e limpo.



O nevazo é uma neve antiga e dura que se derreteu e voltou a gelar várias vezes consecutivas. Sobre este tipo de neve caminha-se sem dificuldade e adere-se muito bem às vertentes pronunciadas, pelo que oferece escasso risco de avalanches.

Tipos de gelo

Nos circos ou nas bacias de captação a grande altitude, a neve acumulada sofre uma série de transformações lentas que a convertem em gelo. As camadas inferiores, submetidas à pressão das que estão por cima, perdem parte do ar que contém e tornam-se mais compactas. De seguida descrevemos os vários tipos de gelo:

Gelo branco

Mediante sucessivas transformações, origina-se o gelo que em grandes massas, constitue o glaciar.
Nesta primeira fase recebe o nome de gelo branco ou gelo azul. É adequado para escalar devido à sua grande consistência, facilidade de agarre e retenção do piolet e dos crampons.



Gelo negro

O gelo das camadas superficiais, convertido em água pela acção do calor e que volta a endurecer pela acção do tempo frio, aprisiona no seu interior os materiais arrastados (pedras, poeiras, terra) e origina o chamado gelo negro, que é difícil de escalar, devido à sua pouca consistência e estrutura quebradiça.



Crosta de gelo ou “Verglas”

A crosta de gelo tem a sua origem na água de fusão da neve, que ao escorrer humedece a rocha. Uma descida de temperatura pode gelar esta água deixando a rocha coberta de uma fina capa de gelo, que a torna muito escorregadia. Para escalar nestas condições é necessário limpar as prisões com golpes de um martelo.

Gelo de fusão

Devido a sucessivas acumulações de gelo proveniente de fusão, a espessura da camada pode ter suficiente consistência e permitir não apenas a progressão do escalador, como a colocação de seguranças com total garantia. Esta formação de gelo, dependendo do local onde se forma e da diferença de grau de transformação, pode dar origem a corredores, canais, goulottes, cascatas, seracs, etc.



Geometria dos flocos de neve

A geometria dos flocos de neve foi reconhecida pela primeira vez em 1611 por Kepler, com a publicação da primeira descrição da geometria hexagonal dos flocos de neve num estudo intitulado “De nive sexângula” oferecido como uma prenda de Natal a Rodolfo II de Habsburgo.

A forma dos flocos de neve é determinada pela temperatura e humidade em que se formaram. Como bem apontou Kepler no seu estudo, os flocos de neve adoptam normalmente uma forma geométrica baseada no hexágono, ainda que dependendo das condições de humidade e temperatura, podem chegar a formar-se flocos de neve cuja geometria se baseia no triângulo ou no dodecágono.

Wilson Alwin Bentley tentou em 1885 identificar flocos de neve idênticos fotografando milhares deles com um microscópio, encontrando a grande variedade de geometrias conhecidas hoje em dia, no entanto não conseguiu encontrar dois que fossem idênticos, pelo que adoptou a teoria de que não podem existir dois flocos de neve idênticos. Levando em conta que em cada floco de neve existe aproximadamente de 10 a 18 moléculas de água que se estruturam de forma distinta em função da temperatura, humidade e altitude que se formaram na atmosfera. Era uma afirmação possível.

Não o foi até 1988, quando uma equipa em Wisconsin demonstrou que dois flocos de neve podem ser totalmente idênticos se o ambiente em que se formaram for suficientemente parecido. Com diferentes experiências conseguiram demonstrar que existem flocos de neve idênticos, no entanto correspondiam-se com prismas ocos em vez dos flocos normalmente conhecidos.



No decorrer da história, foram muitas as tentativas de classificar os diferentes flocos de neve, mas devido à sua complexidade é impossível determinar um único modo de os classificar, ou de dar nome a todas as formas possíveis. Entre as classificações mais comuns está a que se vê na imagem superior com um total de 35 diferentes tipos, a da Comissão Internacional de Neve e Gelo baseada em 7 tipos básicos com várias modificações, a classificação de Nakaya com um total de 41 tipos de flocos de neve e a classificação de Magono and Lee, a mais complexa até à data, com um total de 80 tipos de cristais.

De seguida, vamos ver com fotos de miscroscópio, algumas das formações de flocos de neve conhecidas e mais comuns.

1.Prismas Simples

Os prismas simples são a geometria mais básica dos flocos de neve. A sua forma pode variar desde finos prismas hexagonais até finas placas hexagonais. O seu tamanho costuma ser tão pequeno que apenas se podem ver a olho nu durante um nevão.



2. Lâminas estreladas

Esta forma comum de flocos de neve, são cristais de gelo laminado com seis braços suficientemente compridos para formar uma estrela. Geralmente têm as bordas decoradas com formas simétricas que os tornam quase únicos.



3. Lâminas sectoriais

As lâminas estreladas normalmente apresentam cristas distintas que vão desde o centro do floco até aos vértices do hexágono. Quando estas cristas são especialmente proeminentes, os flocos de neve denominam-se de lâminas sectoriais.



4. Dendritos Estelares

Dendrito, como as células do cérebro, refere-se à forma de árvore, pelo que os dendrites estelares são o tipo de floco de neve que possui seis ramos principais com mais ramos secundários em cada uma das ramas principais. Estes flocos de neve tem tipicamente entre 2 e 4 milimetros, pelo que são facilmente visíveis a olho nú.



5. Dendritos estelares com forma de feto

Este tipo de flocos de neve são uma variação do tipo anterior, em que os ramos principais têm tantas ramificações que se assemelha cada uma com a forma de um feto. Este tipo de flocos de neve são os maiores que normalmente caem sobre a terra, alcançando muitas vezes mais de 5 milimetros de diâmetro.



6. Colunas ocas

As colunas hexagonais em muitas ocasiões apresentam formas cónicas nos seus extremos, formando as denominadas colunas ocas. Este tipo de cristais tem um tamanho excessivamente pequeno que não permite ser visível a olho nu, sendo necessário um microscópio para os ver.



7. Agulhas

As agulhas são finas colunas de cristal que se formam a uma temperatura a rondar os 5ºC abaixo de zero. Podem ser observadas a olho nú e assemelham-se a cabelos grisalhos.



8. Colunas Tapadas

Estes cristais formam-se inicialmente como colunas e quando passam por uma zona de nuvens transformam lâminas nos seus extremos. O resultado são duas lâminas de cristal unidas por uma coluna de gelo. Este tipo de flocos de neve não aparece em todos os nevões, mas são fáceis de encontrar se forem procuradas expressamente.



9. Lâminas duplas

As lâminas duplas são colunas tapadas por uma coluna central especialmente cortal. Por esta razão, ao formarem-se as lâminas dos extremos, a sua proximidade origina que uma se forme muito mais rápido que a outra, ficando como resultado uma pequena lâmina conectada a outra maior.



10. Cristais triangulares

As lâminas em concretas ocasiões, quando a temperatura ronda os -2ºC, podem tomar uma forma triangular, originando cristais triangulares. Esta forma rara de lâmina estelar é muito rara.



11. Cristais Dodecagonais

Em algumas ocasiões específicas, as colunas tapadas giram 30º. Quando isto acontece, se as lâminas dos extremos forem ambas cristais hexagonais, terminam na forma de um cristal com doze ramas, originando um cristal dodecagonal.



12. Neve artificial

As máquinas de neve artificial soltam finas gotas de água que são congeladas antes da sua expulsão. Por esse motivo, a neve resultante não se assemelha em nada à neve formada naturalmente.



Posto isto, só resta acrescentar que todo o cuidado é pouco. Esperamos ter elucidado sobre alguns aspectos de precaução ao caminharmos sobre a neve. Nunca esqueçam, o perigo está sempre presente, mas não precisamos de ir ao encontro dele.

Boas caminhadas, com segurança.

1 comentário:

  1. Óptimo artigo!!! Agora que já conhecemos a neve, temos que saber hidratar com ela :-) pois comê-la, não é muito saudável!!!
    Venha de lá o próxmo artigo!!

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comentários