25 abril 2012

A importância da água na prática do montanhismo

Neste artigo e nesta primeira parte iremos abordar o tema da água. O que é, a sua distribuição na terra, a sua necessidade para o nosso organismo, como perdemos água através do nosso organismo, factores que influenciam a saída de maior ou menor quantidade de água do nosso organismo, doenças transmitidas e cuidados a ter na ingestão de água. Esperemos ir de encontro das necessidades de cada um que pratica actividades de montanha, tentando elucidar algumas dúvidas e curiosidades que existam ao redor deste tema.

  A água no planeta

 Cerca de 71% da superfície da Terra é coberta por água em estado líquido. Do total desse volume, 97,4% aproximadamente, está nos oceanos, em estado líquido. A água dos oceanos é salgada: contém muito cloreto de sódio, além de outros sais minerais. Mas a água em estado líquido também aparece nos rios, nos lagos e nas represas, infiltrada nos espaços do solo e das rochas, nas nuvens e nos seres vivos. Nesses casos ela apresenta uma concentração de sais geralmente inferior à água do mar. É chamada de água doce e corresponde apenas a cerca de 2,6% do total de água do planeta. Cerca de 1,8% da água doce do planeta é encontrada no estado sólido, formando grandes massas de gelo nas regiões próximas dos pólos e no topo de montanhas muito elevadas. As águas subterrâneas correspondem a 0,96% da água doce, o restante está disponível em rios e lagos.
Distribuição da água no planeta
Oceanos e mares - 97%
Massas de gelo inacessíveis - 2%
Rios, lagos e fontes subterrâneas - 1%  

Mas afinal, o que é a água?

  A água é uma das substâncias mais comuns no nosso planeta. Toda a matéria (ou a substância) na natureza é feita por partículas muito pequenas, invisíveis a olho nu, os átomos. Cada tipo de átomo pertence a um determinado elemento químico. Os átomos de oxigênio, hidrogênio, carbono e cloro são alguns exemplos de elementos químicos que formam as mais diversas substâncias, como a água, o gás carbônico, etc. Os grupos de átomos unidos entre si formam moléculas. Cada molécula de água, por exemplo, é formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. A molécula de água é representada pela fórmula química H2O. Em cada grama de água há cerca de 30 000 000 000 000 000 000 000 (leia: "trinta sextilhões") de moléculas de água.
(Representação da molécula de água com os dois átomos de hidrogénio e um de oxigênio. As cores são meramente ilustrativas e o tamanho não corresponde às proporções reais.)  

Estados físicos da matéria

Quando nos referimos à água, a ideia que nos vem de imediato à mente é a de um líquido fresco e incolor. Quando nos referimos ao ferro, imaginamos um sólido duro. Já o ar nos remete à ideia de matéria no estado gasoso. Toda a matéria que existe na natureza apresenta-se numa dessas formas - sólida, líquida ou gasosa. É o que chamamos de estados físicos da matéria.
No estado sólido, as moléculas de água estão bem "presas" umas às outras e movem-se muito pouco: elas ficam "balançando", vibrando, mas sem se afastarem muito umas das outras. Não é fácil variar a forma e o volume de um objeto sólido, como por exemplo a madeira de uma porta ou o plástico de que é feito uma caneta.
O estado líquido é intermediário entre o sólido e o gasoso. Nele, as moléculas estão mais soltas e movimentam-se mais que no estado sólido. Os corpos no estado líquido não mantém uma forma definida, mas adoptam a forma do local que os contém, pois as moléculas deslizam umas sobre as outras. Na superfície plana e horizontal, a matéria, quando está no estado líquido, também se mantém na forma plana e horizontal.
No estado gasoso a matéria está muito expandida e, muitas vezes, não podemos percebê-la visualmente. Os corpos no estado gasoso não possuem volume nem forma próprios e também adoptam a forma do local que os contém. No estado gasoso, as moléculas movem-se mais livremente que no estado líquido, estão muito mais distantes umas das outras que no estado sólido ou líquido, e movimentam-se em todas as direcções. Frequentemente há colisões entre elas. É o equivalente a abelhas presas numa caixa, e voando em todas as direcções.
Em resumo: no estado sólido as moléculas de água vibram em posições fixas. No estado líquido, as moléculas vibram mais do que no estado sólido, mas dependente da temperatura do líquido (quanto mais quente, maior a vibração, até se desprenderem, passando para o estado gasoso, num fenômeno conhecido como ebulição). Consequentemente, no estado gasoso (vapor) as moléculas vibram fortemente e de forma desordenada.
A água é um solvente

 No ambiente é muito difícil encontrar água pura, devido à facilidade com que as outras substâncias se misturam a ela. Mesmo a água da chuva, por exemplo, ao cair, traz impurezas do ar nela dissolvidas. Uma das importantes propriedades da água é a capacidade de dissolver outras substâncias. A água é considerada um solvente universal, porque é muito abundante na Terra e é capaz de dissolver grande parte das substâncias conhecidas. Se percebermos na água cor, cheiro ou sabor, isso deve-se a substâncias (líquidos, sólidos ou gases) nela presentes, dissolvidas ou não. As substâncias que se dissolvem noutras (por exemplo: o sal) recebem a denominação de soluto. A substância que é capaz de dissolver outras, como a água, é chamada de solvente. A associação do soluto com o solvente é uma solução.
A propriedade que a água tem de atuar como solvente é fundamental para a vida. No sangue, por exemplo, várias substâncias - como sais minerais, vitaminas, açucares, entre outras - são transportadas dissolvidas na água.
Percentagem de água em alguns órgãos do corpo humano. No interior dos organismos vivos, ocorrem inúmeras reacções químicas indispensáveis à vida, como as que acontecem na digestão. A maioria dessas reações químicas no organismo só acontece se as substâncias químicas estiverem dissolvidas em água.  

A água como regulador térmico

A água tem a capacidade de absorver e conservar calor. Durante o dia, a água absorve parte do calor do Sol e conserva-o até à noite. Quando o Sol está a iluminar o outro lado do planeta, essa água já começa a devolver o calor absorvido ao ambiente. Ela funciona, assim, como reguladora térmica. Por isso, em cidades próximas do litoral, é pequena a diferença entre a temperatura durante o dia e a noite. Já em cidades distantes do litoral, essa diferença de temperatura é bem maior. É essa propriedade da água que torna a sudorese (eliminação do suor) um mecanismo importante na manutenção da temperatura corporal de alguns animais. Quando o dia está muito quente, suamos mais. Pela evaporação do suor eliminado, libertamos o calor excedente no corpo. Isso também ocorre quando efectuamos exercícios físicos.

Agora que fizemos uma breve abordagem ao elemento água, vamos abordar a forma como actua e reage o nosso organismo em função deste bem vital que é a água.

De todos os elementos de sobrevivência, a água é o mais importante. Sem água não existe vida e deste modo, todos os sobreviventes e praticantes de actividades de montanha, devem saber onde encontrar e como fazer água no caso de terem de viver em locais inóspitos durante um certo período de tempo.


O corpo humano é constituído por cerca de 60% de água, sendo um elemento mais indispensável para a vida do que o suporte energético. Se não se ponderasse a mobilização e eliminação de água produzida pelo esforço, poderíamos calcular que é necessário 1 cc de água por cada caloria utilizada.

Numa situação de sobrevivência, uma pessoa pode viver, em certas condições sem comer, durante semanas, mas sem água morre-se num espaço de dias, portanto, encontrar água é a prioridade número um para todos os sobreviventes. Num clima temperado, uma pessoa necessita de beber cerca de 2,5 litros de água por dia. Mesmo que a actividade física seja pouca, necessita sempre de água para substituir a perda de fluídos, que se verifica através dos seguintes meios:

 . Urina: perde-se cerca de 1,5 litros de água por dia.

 . Suor: perde-se cerca de 1 decilitro de água por dia.

 . Fezes: perde-se cerca de 2 decilitros de água por dia.

 . Difusão através da pele: difusão das moléculas de água através das células da pele. Perdem-se cerca de 4 decilitros de água por dia.

 . Evaporação através dos pulmões: quando o ar entra nos pulmões é muito seco. Nos pulmões entra em contacto com os fluídos que cobrem as superfícies respiratórias e fica saturado de água quando sai.

Sem actividade física, um homem pode aguentar-se sem água cerca de 10 dias, debaixo de temperaturas de 10ºC, 7 dias a temperaturas de 32ºC e 2 dias a temperaturas de 49ºC. Nestes limites, o corpo fica incapacitado por desidratação. A morte virá a seguir. O único remédio para a desidratação é a água, pelo que muitas das actividades iniciais de sobrevivência devem ser orientadas para a obtenção de um adequado aprovisionamento de água. Convém saber que a sede não é um indício certo de necessidade de água. Por vezes e especialmente em climas mais frios, uma pessoa desenvolvendo um esforço intenso estará totalmente desavisado de que ficou parcialmente desidratado porque não sente vontade de beber.

 Uma hora de actividade física intensa a 0º C implica a perda de 1 litro de água, a 18º C a perca de um litro e meio e a 28º C a perca de 3 litros de água.
A 5.500 metros de altitude, quase todos os montanheiros estão desidratados. A perca de 1,5 ou 2 litros de água já provocará sintomas de desidratação (fadiga, caímbras…) e acima de 4 litros pode ocorrer um “golpe de calor” com desorientação e perda de termorregulação. Um bom hábito, será acostumar-se a beber, no mínimo, 1,5 a 2 litros de água fora das refeições.

O corpo não perde líquido apenas pela transpiração, mas também através da respiração, por exemplo, se um alpinista deixa de suar a 8000 metros, mesmo assim eliminará cerca de 8 litros de líquidos por dia apenas devido às funções respiratórias.
Entre as consequências manifestas de não beber, destacam-se:

 . A diminuição da sudorese, necessária para o arrefecimento corporal.

 . Espessamento do sangue, o que pode acarretar graves consequências para alguns órgãos vitais.

Com a eliminação de líquidos através da transpiração, o corpo perde também os sais minerais imprescindíveis para conseguir um rendimento adequado. É necessário repor estes sais a tempo. Para isso são bastante aconselhadas as bebidas à base de sumos de frutas (maçã e laranja), água mineral, a mistura destas e igualmente bebidas electrolíticas. As bebidas isotónicas não se devem tomar em nenhuma circunstância de forma muito concentrada ou sem diluir adequadamente em água. Os comprimidos de sais não são recomendados, a não ser que sejam tomados com suficiente líquido (3 g de sal para um litro de água).

A água de fusão da neve (incluindo o chá que se bebe nos refúgios onde apenas dispõem de água do degelo) durante o inverno, sendo esta água pobre em sais minerais, o que pode acarretar como consequência um forte decréscimo do rendimento, rigidez muscular, falta de lucidez, etc.
A ingestão de suplementos vitamínicos (incluindo os efervescentes) durante actividades curtas não fazem sentido. Convém saber que com os aportes electrolíticos e vitamínicos, manteremos o nosso rendimento habitual, no entanto o consumo de suplementos mencionados, não melhora nem desenvolve a nossa condição física.

As necessidades mínimas diárias de água são determinadas por um determinado número de factores, principalmente as condições de clima e temperatura e pelo esforço físico diário. Numa situação de sobrevivência, a disponibilidade e acessibilidade da água são factores fundamentais. Se existir água em quantidade, deve beber-se a intervalos regulares e frequentes, consumindo uma quantidade pequena de cada vez.

Perante o exposto, a necessidade de beber água todos os dias é óbvia. A necessidade de beber água pode aumentar se estiver nalgum dos seguintes casos:

 . Exposição ao calor. Quando se está exposto a altas temperaturas pode-se perder até 4 litros de água por hora através do suor.
. Exercício. Devido ao aumento do ritmo respiratório, aumenta consequentemente a perda de água através dos pulmões e aumenta também a perda de água através da transpiração.

 . Exposição ao frio. A quantidade de vapor de água no ar diminui e a temperatura baixa. Respirar ar frio resulta no aumento da perda de água através da evaporação dos pulmões.

 . Exposição a grandes altitudes. Como o ar está mais frio, aumenta a perda de água através dos pulmões, e essa perda aumenta também devido ao esforço que é feito para se respirar em altitude.
. Queimaduras. As queimaduras destroem as camadas exteriores da pele, assim como todas as barreiras para a difusão de água, a qual aumenta drasticamente.

 . Doença. A perda de água aumenta se a vítima sofre de vómitos ou diarreia. A desidratação em si é uma ameaça à sobrevivência. Enquanto a desidratação estiver ainda nos primeiros estágios, pode entorpecer a mente e reduzir o desejo de sobreviver. Deve-se olhar a desidratação e a sede como problemas sérios. Os sintomas são perda de apetite, letargia, impaciência, tonturas, instabilidade emocional, fala baralhada e falta de coerência mental. O tratamento baseia-se em repor os fluídos perdidos bebendo água, mas deve-se beber primeiro água quente, pois o corpo aceita mais facilmente água quente do que água fria.

Minimização da perda de água

Como a perda de água pode provocar a desidratação, se o sobrevivente não conseguir ter acesso a um regular abastecimento de água, é necessário tomar medidas para se reduzir essas perdas. Toda a actividade física deve ser reduzida ao mínimo. Deve-se fazer todas as tarefas devagar para diminuir o dispêndio de energia e descansar regularmente. Em climas quentes deve-se fazer as actividades essenciais à noite e durante as horas mais frescas do dia. Manter sempre as roupas vestidas para evitar a perda de fluídos. Existe sempre a tentação de tirar a roupa em climas quentes. Não se deve fazer. O suor nas roupas arrefece o ar armazenado entre as roupas e a pele, resultando daí uma diminuição da actividade das glândulas sudoríferas e uma redução na perda de água. Deve-se usar roupa leve e colorida quando estiver em climas quentes, estas reflectem os raios solares e mantêm o aumento de temperatura do corpo no mínimo. Evitar fumar e beber álcool. Fumar aumenta a sede e o álcool usa os fluídos dos órgãos vitais. Tentar manter-se à sombra. Evitar deitar-se no chão e em superfícies quentes ou aquecidas. Comer o menos possível, pois o corpo usa fluídos para efectuar a digestão, o que poderá aumentar a desidratação. Evitar falar e respirar através do nariz e não da boca.  

Os perigos da ingestão de água não potável

 Nunca beba água não potável, qualquer que seja a sua sede. Um dos piores perigos para a sobrevivência são as doenças transmitidas pela água. Trate toda a água, seja fervendo-a pelo menos pelo período de um minuto, quer utilizando pastilhas para a sua purificação. As doenças e micróbios que pode contrair bebendo água não potável incluem:

. Disenteria – Provoca diarreias fortes e prolongadas com sangue nas fezes, febre e abatimento. Se existir a suspeita de disenteria, deve-se comer com frequência, beber água fervida, e se possível comer arroz cozido.

. Cólera e Tifo – Mesmo que tenha as vacinas em dia em relação a cólera e tifo, poderá contrair estas doenças se não tiver muito cuidado com a água que beber.
(cólera)

. Fascíolas – existem em águas estagnadas e poluídas, especialmente em zonas tropicais. Se engolidas, as fascicolas migrarão para a corrente sanguínea, vivendo como parasitas e provocando doenças dolorosas e muitas vezes fatais. As fascíolas (vermes parasitas) também podem penetrar através de fissuras na pele enquanto nos lavamos ou banhamos em águas contaminadas.
(fascíola)

  
A desidratação

Para compensar as percas de água durante as actividades de montanha, pode ser necessário um suporte diário entre 3 e 5 litros. O armazenamento de uma grama de glucogénio é acompanhado de uma retenção de 3 gramas de água, pelo que se recomenda um regime hiperglucídico que proteja as reservas musculares e hepáticas. O calor produz uma perca suplementar de água e sais minerais que deve ser compensada. Por outro lado, muitos dos alimentos que se utilizam na montanha estão parcialmente desidratados. O estimulo da sede pode ser ineficaz e por outro lado, o vento pode tornar imperceptivel a sudoração e a diminuição do grau de humidade do meio ambiente pode contribuir para uma maior secura das mucosas, pelo que se deve beber constantemente com pequenos goles, para compensar as percas .

Secura e humidade

 A área de bem-estar, situa-se entre os 40% e os 60% de humidade relativa. Neste ambiente normal, costuma-se perder de 1 a 1,5 litros/dia. Uma descida da humidade relativa abaixo de 30% pode produzir desidratação com percas hidroelectroliticas. A perca de água pode chegar a 7 litros. A reposição correcta de água deve garantir uma quantidade de urina diária, superior a 1 litro, mesmo assim, não chega a compensar as desidratações localizadas (pele, mucosa respiratória e conjuntivas). A secura cutânea produz prurito. A secura de mucosas respiratórias produz sede, rouquidão e dor retroesternal. A secura conjuntival produz sensação de picadas.

Um aumento da humidade relativa acima dos 70% pode comprometer a evaporação do suor. O golpe de calor é mais frequente em ambientes que superam os 90% de humidade. Mesmo assim ocorre mal-estar e baixo rendimento psicomotor. A pele perde o manto ácido, favorecendo o aparecimento de fungos (micoses) e infecção na raíz dos pelos da pele (foliculitis).
Na segunda parte deste tema, iremos abordar os meios e métodos para encontrar água em situações extremas, portanto mantenham-se atentos para a próxima publicação. Até lá hidratem-se e boas caminhadas.

2 comentários:

  1. óptimo artigo!!

    Estou já à espera do próximo!
    Obrigado

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  2. a 2ª parte deste artigo está a ser concluida. É só ter um pouco de paciência. Obrigado pelo incentivo.

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comentários