11 abril 2012

As avalanches (1ª parte)

O manto de neve que cobre as montanhas está formado por um conjunto de estractos ou camadas que nevão atrás de nevão se vão acumulando. Cada camada é formada por cristais de neve, que desde o momento que se depositam ficam submetidas a um processo de transformação. A acção do vento, a humidade, a pressão, a temperatura e a radiação solar, transformam os cristais e por sua vez os estractos. Esta metamorfose pode acentuar e reforçar a união entre as camadas de neve ou pelo contrário, diminuir a ligação entre elas. Como a neve por efeito da gravidade tende a deslizar pela pendente abaixo, ao diminuir a adesão entre as camadas, ou entre todo o manto e o solo, uma camada subjacente pode servir de tobogan a outra superior provocando uma avalanche. Uma avalanche é portanto um deslizamento de uma massa de neve, seja de apenas algumas camadas entre si ou de todo o manto em relação ao solo, consequência da ruptura de equilíbrio interno que as une. Em alta montanha e no inverno, as avalanches são um grande perigo constante e difícil de prever; a prevenção será sempre a nossa principal preocupação, sobretudo na hora de reconhecer e evitar as zonas potencialmente perigosas.


Em todas as avalanches distinguem-se 3 zonas: uma zona de saída, onde se inicia o movimento da neve, uma zona de trajecto, por onde é transportada a massa de neve, e uma zona de chegada ou acumulação, onde se detém e deposita a neve deslocada. Estas zonas podem ser de dimensões e características muito variáveis.
As avalanches podem ser de diferentes tipos e produzidas por diferentes causas. Todo o montanheiro deveria aprender o máximo possível acerca da neve para tentar compreender ao máximo os processos que originam as avalanches.



Um pouco de história

O Geógrafo Grego Estrabón foi o primeiro que descreveu as avalanches massivas observadas nas suas viagens, efectuadas entre os anos 64 e 36 A.C. Existem registos que afirmam que as avalanches causaram numerosas baixas ao exército de Aníbal durante a sua épica travessia dos Alpes no ano de 218 A.C. perdendo 18000 homens, 2000 cavalos e vários elefantes devido ao frio e às avalanches. Na Idade Média, muitas povoações estabeleceram-se nos vales dos Alpes. A vida destes povos estava regulada e controlada em grande parte pelo perigo de avalanches. No século XV já se registaram acidentes provocados por avalanches nos Alpes. Em 1569, uma avalanche precipitou-se com tremenda violência por uma pendente próximo de Davos na Suiça a qual quebrou o gelo dum lago. Em 1720, uma avalanche dizimou mais de 100 pessoas e 237 cabeças de gado, sepultando cerca de 60 casas no povoado de Rueras na Suiça. O exército de Napoleão também perdeu centenas de homens durante as suas campanhas nos Alpes no principio do século XIX. Em 1808, uma incrível avalanche arrasou o povoado de Trun na Suiça; Uma tempestade de neve depositou durante três dias 5 metros de neve nas montanhas próximas e sob o efeito do Sol que apareceu posteriormente, desencadeou-se uma grande avalanche. Começou a descer para Oeste e destruiu um enorme número de casas, não se deteve no fundo do vale e dirigiu-se para a pendente oposta, monte acima destruindo mais bosques. Dirigiu-se de novo para Oeste causando poucos danos, mas mudou novamente de direcção para Este arrasando meia dezena de estábulos. Mas a avalanche era tão forte que não se deteve ainda, voltando a dirigir-se para Oeste soterrando um estábulo cheio de gado. E o incrível é que voltou a dirigir-se para Este descendo uma colina com tanta força que efectuou um quarto e último percurso para Oeste, sepultando as casas da povoação principal até aos telhados. No dia 10 de Janeiro de 1962, no Vale de Santa no Perú, uma avalanche causou a morte a mais de 4000 pessoas. Em 1970 e de novo no Perú, produziu-se um terramoto que provocou uma monstruosa avalanche de gelo e barro que enterrou a cidade de Yungay causando 20000 mortos. Esta cidade desapareceu debaixo do barro e hoje em dia no seu lugar existe uma extensão erma com pequenos monumentos em lembrança dos sepultados.



Hoje em dia muitos montanheiros podem ser as vítimas de avalanches. Hoje as pessoas utilizam as montanhas como locais de recreio, o que dantes não acontecia, existindo por isso muito mais vitimas de avalanches do que à alguns séculos atrás. Segundo estudos efectuados , de 140 casos registados, mais de 44% das vitimas de avalanches eram escaladores, montanheiros ou esquiadores. De todas as vítimas que se verificam na montanha em cada temporada, constatou-se que entre 20% e 25% são provocadas por avalanches. Estas percentagens ilustram a necessidade de desenvolver um melhor conhecimento das avalanches e dos fenómenos relacionados com elas.



Não é suficiente ser consciencioso do perigo de avalanches, ainda que possuir essa consciência já é importante. As condições mudam frequentemente dependendo da hora do dia ou da época do ano. A melhor táctica é a prevenção. Os potenciais perigos, são difíceis de compreender quando alguém não está habituado ao que o rodeia, no entanto qualquer montanheiro experiente poderá verificar os sinais de perigo ao seu redor. Devido às condições sempre em mudança, é necessário controlar constantemente os potenciais perigos. A única regra empírica que se pode concluir das avalanches é que não existe nenhuma regra geral. O problema passa por eleger o trajecto mais seguro. Se existir apenas uma possibilidade, o grupo deve permanecer onde está e montar um bivac.
Uma incursão de prazer na montanha com um par de amigos pode desencadear-se num acidente devido às condições climatéricas. Se porventura se desencadear uma tempestade de primavera que deposite uns dois metros de neve durante a noite, pode desencadear grandes avalanches. A situação pode parecer um pouco desconcertante, no entanto o grupo deve-se deslocar rapidamente para um local protegido por um aglomerado de rochas e agradecer à sorte para que a avalanche não nos arraste. Pode-se decidir a alternativa de uma retirada rápida do local, embora não seja sempre a decisão mais prudente.

Os sinais de avalanche

As avalanches podem ser de três tipos: de neve solta ou recente, de neve húmida ou de fusão e de placas. As avalanches de placas dividem-se por sua vez em placas suaves ou duras.


(Avalanche de neve solta (à esquerda) e avalanche de neve de placas (à direita))

As avalanches de neve solta ou recente produzem-se nas pendentes com neve fofa. Estas condições observam-se nas camadas de neve recém caída . As avalanches de neve solta iniciam na superfície, quando uma pequena quantidade se desprende e começa a deslizar montanha abaixo. Esta pequena quantidade inicial põe em movimento uma quantidade cada vez maior de neve até formar uma avalanche que costuma assumir o efeito de um ventilador. As avalanches de neve solta podem ocorrer durante toda a temporada invernal e variam em tamanho. É conveniente redobrar os cuidados durante e depois das tempestades de neve, quando estivermos próximo de pendentes muito escarpadas e desprovidas de árvores. As avalanches de neve solta chegam a penetrar nos bosques pouco espessos. Se forem espessos, as árvores oferecem protecção. Costumam ter um único e pequeno ponto de origem que vai aumentando pendente abaixo conforme vai acumulando mais neve, formando uma clássica forma de lágrima.





(Avalanche de neve solta ou recente)

As avalanches de neve húmida ou de fusão, dão-se devido a altas temperaturas e chuvas que provocam a desagregação das camadas superiores das inferiores. São normalmente constituídas por blocos redondos, sendo avalanches típicas das vertentes sul ou primaveris. Do total de avalanches existentes, estas constituem cerca de 10%, resultando destas, cerca de 73% das fatalidades.





(Avalanche de neve húmida ou de fusão)

As avalanches de placas ocorrem quando as camadas ou placas de neve relativamente grandes se desprendem de uma vez em massa. As placas formam-se em superfícies de neve dura quando se forma uma fenda que marca a borda superior da placa. As avalanches de placas são muito mais perigosas que as de neve solta e mais difíceis de prever. Para que se provoque uma avalanche deste tipo, a fractura deverá abranger uma ampla zona. A neve está formada por várias camadas relativamente sólidas que descansam sobre uma base relativamente débil, independentemente da solidez dos estractos inferiores. As camadas mais sólidas superiores, estão sujeitas a tensão devido à gravidade que as empurra para baixo. Se a força da gravidade predomina nas camadas sólidas, a camada mais débil rompe-se e a placa começará a mover-se.





(Avalanche de placas)

Nas avalanches de placas suaves, a pressão provém da neve fresca depositada pelo vento, do ângulo da pendente, da temperatura e da orientação e inclinação da pendente em zonas com muita acumulação. Quanto mais húmida, densa e profunda seja a neve em função da temperatura, maior será o peso adicionado às zonas com muita acumulação apertando a capa de neve inferior. Quando a carga da pendente é tão elevada que se produz uma ruptura nas camadas inferiores, produz-se a avalanche de placa suave. Estas desencadeiam-se durante e após uma tempestade. É necessário observar as marcas de avalanches nas pendentes próximas e devem ser comprovadas as camadas inferiores de neve no local onde nos encontramos, uma vez que o peso corporal é uma réplica no microcosmos das forças que deve suportar a pendente. Escutando atentamente, podemos distinguir as mudanças bruscas do som produzido pelos pés na neve.

As avalanches de placas duras são as mais difíceis de detectar. Se as condições meteorológicas forem boas e no entanto sabemos que um ou dois dias antes houve uma tempestade, devemos estar alertas para uma avalanche deste tipo. O artífice de uma avalanche de placas duras é o vento que forma uma cobertura de neve apertada e densa. Ainda que seja possível caminhar sobre a coberta, esta estará sob a tensão das pendentes fortes e poderá fracturar-se como se fosse uma avalanche de neve suave. A diferença entre uma pendente segura e uma pendente propensa a avalanche pode ser simplesmente uma camada débil mas significativa.


Outros tipos de avalanches – As cornijas: As ventanias formam no alto das cristas, umas grandes pestanas de neve que crescem em direcção do vento, por vezes até muitos metros. Estas formações de neve podem despenhar-se pela encosta de sotavento por diversas causas, podendo ser uma delas a passagem de montanheiros. Para evitar ser arrastado quando se caminha por arestas, tem que se fazer a passada bem afastados da linha de cume, uma vez que a linha de fractura possível pode encontrar-se muito mais abaixo do que se pensa.




Factores que influenciam a possibilidade de uma avalanche

A pendente

As avalanches mais frequentes ocorrem em pendentes entre os 25º e os 45º, onde o deslizamento é favorável e a acumulação é possível. Em pendentes fortes, a neve não se acumula, pois cai em pequenas avalanches periódicas durante os nevões. Pelo contrário, em pendentes muito suaves é necessária uma grande quantidade de neve para vencer a coesão interna e que se solte a avalanche.



A quantidade de neve caída

Na neve fresca a reticulação dos cristais entre si é importante para a estabilidade. Os cristais típicos em forma de estrela da neve recém caída têm uma importante ligação entre eles e os nevões com este tipo de cristais, não costumam ser perigosos, a não ser qua a velocidade de precipitação supere os 3 cm/hora. Um nevão intenso e rápido é perigoso pois não tem tempo para estabilizar, no entanto, um nevão espaçado em vários dias pode não ser perigoso, se existirem as condições necessárias para que estabilize. Sejamos prudentes e consideremos sempre perigoso ir à montanha depois de um nevão. È conveniente ter presente que 90º das avalanches ocorrem durante ou após os nevões.

A topografia e o relevo do terreno

A forma do terreno é também determinante do risco de avalanches. As zonas côncavas onde a neve tende a ser comprimida são menos perigosas que as convexas, onde a tensão superficial pode provocar o deslizamento.



A orientação para o Sol

A temperatura é um factor decisivo no assentamento das pendentes nevadas. A neve recém caída estabiliza normalmente com maior rapidez nas encostas soleadas do que nas zonas de sombra, onde o frio conserva a neve e retarda o seu assentamento. Durante um dia quente podem-se assentar nevadas de cerca de meio metro, no entanto durante dias frios podem tornar perigosas as camadas de metade desta espessura. Na Primavera, o excesso de calor e os raios solares tornam mais perigosas as encostas orientadas para Sul do que as que estão na sombra, onde a neve está assentada e gelada.

Orientação relativamente ao vento

O vento é um importante fabricante de avalanches, a neve que arrasta forma cornijas nas cristas e acumula-se compactada a sotavento formando placas rígidas com pouca ligação sobre as camadas inferiores. Nas encostas expostas, no entanto, a neve tende a ser varrida e o perigo é menor ainda que não desapareça.

Outros factores

Existem também factores indirectos que podem influenciar numa avalanche. Factores meteorológicos como a chuva e outros como o próprio pisar das pessoas e animais. Cerca de 90% dos acidentes por avalanche são provocados pela própria vítima ou seus companheiros ao romper com a sua passagem, o débil equilíbrio existente.

É importante também, conhecer e saber interpretar a escala europeia de risco de avalanches. Esta, classifica de 1 a 5, o grau de possibilidade de ocorrência de avalanches. No entanto convém referir que não existe risco zero. Um risco débil ou moderado não garantem que não ocorram avalanches, indicam apenas que o risco é baixo ou fraco.


Este artigo tem como principal objectivo levar os praticantes de actividades de montanha a tomar conhecimento dos perigos inerentes a esta actividade. Convém lembrar que a maioria dos acidentes ocorrem, não devido a falhas técnicas ou descuido, mas por más decisões e escolhas erradas que redundam em acidentes. Não esqueçam que na montanha o perigo existe sempre, mas não há necessidade de ir ao encontro dele.

Boas caminhadas com segurança

Sem comentários:

Enviar um comentário

comentários