05 março 2012

O Piolet

Para a progressão em neve dura e gelo, dois elementos fundamentais são, o piolet e os crampons. Vamos começar por falar do piolet. Ainda que a sua utilização possa ser bastante intuitiva quando não existe excessiva exposição, é conveniente ter em atenção algumas regras, conselhos e principalmente muito treino e consciencialização para as situações em que o seu uso como acto reflexo e imediato o converta numa ferramenta eficaz e em alguns casos decisiva.

E para começar esta exposição, iremos falar um pouco sobre a história do piolet.

O piolet nasceu de uma fusão entre os bastões usados pelos pastores dos Alpes e de pequenas enxadas de uso agrícola.
Esta fusão, produzida por volta do ano 1840, foi criada para unir numa só ferramenta, as funções dos seus antecessores. Por um lado o apoio do bastão, que já possuía uma ponta metálica para que durassem mais, e uma pequena enxada para talhar passadas no gelo, pois ainda não existiam crampons.
Com o passar do tempo, a forma da machada foi-se modificando para talhar as passadas, passando a borda da machada de vertical para horizontal (a pá de hoje)
Com o aparecimento dos crampons, reduziu-se a necessidade da talhada de passadas, reduzindo-se o comprimento do manípulo.
Por volta dos anos 60, começaram-se a usar ligas metálicas para os manípulos substituindo a madeira. Por sua vez reduziram-se ainda mais os manípulos e começou-se a usar picos curvos.
No início dos anos 70, aparece o conceito do “piolet tracção” e por volta de 1975, apareceram os piolet com picos moduláveis.
Em meados dos anos 80 aparecem os manípulos curvos e a evolução segue.

Hoje em dia, existem modelos super especializados adaptados às diversas actividades desportivas actuais, como escalada em gelo, dry tooling, etc.
Antes de mais nada, é importante conhecer as partes de um piolet:

A cabeça do Piolet é composta pelo PICO na parte da frente e pela PÁ na parte de trás, por vezes a pá é substituída por uma peça metálica tipo martelo. A parte onde se une o MANÍPULO à CABEÇA chama-se CRUZ DO PIOLET. O MANÍPULO é a parte mais comprida do piolet e a VIROLA é a ponta final onde termina o manípulo, que é sempre metálica.

Portanto, as partes de um piolet são:


1. folha ou pico
2. pá
3. trela
4. manípulo
5. virola

Os piolet podem ser classificados de diferentes formas, segundo algumas das suas características:

Em função da tecnologia de fabrico do pico e da pá:

1. Usinagem: O pico fabrica-se a partir de uma lâmina de aço ou alumínio, que é moldado com a forma adequada. A pá pode-se fabricar em separado com o mesmo método e posteriormente soldar-se ao pico ou pode fazer parte da mesma peça metálica do pico, conseguindo-se a sua orientação horizontal por meio de uma retorção da peça. No caso de piolet modular, a pá será fixada directamente ao manípulo.

2. Forjado: O procedimento baseia-se em golpear o aço, normalmente aquecido a altas temperaturas, para moldar a forma. Por sua vez, o aço forjado alinha as estructuras internas do aço na mesma direcção, o que torna a peça muito mais resistente. inconfundível com o temperamento de uma peça mecanizada. O procedimento de mecanizado é muito mais barato que o forjado, mas convém ter presente, que tem como inconveniente que a espessura dos picos é constante em toda a sua amplitude e que o aço mecanizado é menos resistente que o forjado.


Em função da resistência:

1. Básicos: Normalmente denominados de “montar” ou “travessia”. A cabeça do piolet pode ser de aço ou zicral (alumínio). A resistência do piolet é de cerca de 250kg. Costumam estar identificados no manípulo, perto da cabeça com um “B” dentro de um circulo.

2. Técnicos: A cabeça é sempre de aço. A resistência é de cerca de 400 kg. Os piolet técnicos podem ser usados para montar reuniões. Costumam estar identificados no manípulo perto da cabeça com um “T” dentro de um circulo.
Existem piolet modulares, principalmente utilizados para escalada em gelo, em que o manípulo é tipo “T” e o pico e pá podem ser “B”. A razão, é que os picos e as pás tipo “B” são mais finas e penetram melhor no gelo.

Em função da sua forma:

1. Clássico: o piolet para toda a vida, recto, válido para um uso habitual em travessias glaciares ou alpinismo. As medidas mais usuais nestes piolet são de 60 a 70 cm, ainda que se podem encontrar até 80 cm.

2. Tracção: Os que têm manípulo curvo e picos com formas mais agressivas, idealizados para cascatas de gelo, corredores e alpinismo de dificuldade. Normalmente medem uns 50 cm de comprimento. Englobamos aqui os piolet desenhados para dry-tooling e gelo extremo, ainda que tenham características próprias.

3. Mistos: possuem uma cabeça clássica, mas têm o manípulo um pouco curvado. Permitem um uso bastante correcto num uso normal e permitem ser usado como piolet de tracção com certas garantias. Costumam medir entre 50 e 60 cm.

4. Auxiliares ou 3ª ferramenta: Geralmente tem ceptro em vez de pá e com manípulo muito curto (cerca de 40 cm), também chamados de martelo – piolet usado principalmente como ferramenta auxiliar na escalada em gelo ou corredores muito difíceis.




Utilidade do Piolet

De seguida tentaremos explicar os usos habituais do piolet:

1. Como ajuda na progressão (piolet – bastão): para usar o piolet como bastão, a cabeça deste deve ser confortável para a segurar com a mão e o manípulo deve ser suficientemente comprido de forma a podermos apoiar-nos nele sem nos dobrar-mos. A menor pendente do terreno dispensa um piolet maior. Tanto nas subidas, em plano e nas descidas, o pico deve ir sempre voltado para a frente. O piolet deve ser sempre utilizado do lado da pendente.


2. Como ajuda na progressão (piolet- tracção): Usa-se nas pendentes mais fortes, agarrando o piolet próximo da virola e cravando-o pelo pico na pendente acima de nós, puxando-nos para ele para prosseguir. Uma boa trela e algum tipo de apoio para a mão junto à virola, favorecerá
muito a sua utilização neste caso.

3. Como ajuda na progressão (piolet vassoura): Quando a pendente é alta e a posição do bastão é incómoda, pegamos no piolet como se se tratasse do remo de uma canoa. A mão de fora empurra a cruz do piolet para dentro da ladeira, cravando a virola perpendicularmente à superfície, a outra mão (mais próxima da ladeira) agarra o manípulo junto ao ponto onde o piolet penetra na neve e empurramos com ela como se estivéssemos a remar. É uma forma cómoda a utilizar em fortes pendentes. Este método também é útil para descer esquiando com as botas e usando o piolet como leme e como travão, embora só deva ser usado este método em ladeiras muito seguras e onde seja garantida sempre a auto-detenção em caso de perder o controle.

4. Piolet Âncora: Crava-se o piolet pelo pico, agarrando-o pela cruz com uma mão em baixo e com a outra mão seguramos o manípulo pela altura da virola. É útil para passar ressaltos curtos com um só movimento do piolet, passando de âncora a apoio, de forma que o corpo avança bastante sobre a mesma posição do piolet.

5. Piolet apoio: Quando a pendente é mais forte tenderemos a progredir mais de frente para ela. Nesta situação, podemos agarrar o piolet por cima da cruz e cravar o pico de forma que nos apoiemos nele empurrando-o para baixo. O manípulo poderá não ficar totalmente paralelo à pendente para permitir que a virola também seja usada.


6. Piolet estaca: Crava-se o piolet pela virola o máximo possível, agarrando a cruz com as duas mãos para nos apoiar-mos nele. É útil para sair de ressaltos ou progredir de frente em ladeiras pronunciadas com neve macia.

7. Para escavar passadas: com a popularidade dos crampons, abandonou-se o hábito de escavar passadas. Ainda assim, um piolet com pá permitirá escavar uma plataforma ou fazer uma vala para enterrar um piolet para fazer de segurança numa descida em rappel.

8. Para cravar pitões ou cravos. Se o piolet dispõe de ceptro, pode ser usado para colocar pitões, no entanto se pretendermos colocar muitos pitões, será mais cómodo e eficaz utilizar uma ferramenta mais curta, como um martelo de escalada ou um martelo piolet.

9. Como segurança ou ancoragem rápida. Um manípulo que penetre bem na neve dura, como uma estaca de neve, permitirá fazer um asseguramento rápido mediante bota-piolet.

10. Como segurança numa reunião sobre neve (piolet em T). O manípulo do piolet não deverá ser demasiado curvo e terá que ter muita boa resistência.
11. Como segurança sobre gelo. O piolet deve ter um buraco junto à virola onde se possa colocar um mosquetão. Outra possibilidade é usar um buraco na cabeça, mas se a direcção de tracção não for correcta, é mais provável que se solte. Nunca devemos usar a trela para fazer segurança nestes casos.

12. Para parar uma queda (auto detenção). Um piolet muito comprido (mais de 65 cm), tornará muito mais difícil a manobra.



Escolha do Piolet

Na hora da eleição devemos ter em conta, para que queremos o piolet. Assim, em função dos requisitos de uso, podemos resumir o seguinte:

1. Travessias glaciares ou ascensões simples: será necessário um piolet de forma clássica, com manípulo recto com um comprimento que permita agarrar pela cabeça e com o braço estendido chegue à altura do tornozelo (entre 65 e 75 cm aproximadamente). Podem ser do tipo B ou do tipo T.

2. Esqui de travessia: normalmente são de forma clássica e leves. Tipo “B”. Com tamanhos desde os 45 a 55 cm. Existem com menos de 300gr. Apenas servem para autodetenção e autosegurança. Costuma faltar a virola.

3. Ascensões com pendentes moderadas (até 60º): Forma clássica, manípulo recto ou misto, preferível do tipo “T”, com uns 55 a 60 cm.

4. Ascensões com fortes pendentes (mais de 60º): Piolet tipo “T”, com qualquer forma de manípulo, mas que permite um bom uso de piolet tracção, e que permite certo uso como apoio, tamanho entre 50 e 60 cm.

5. Corredores, misto e gelo na vertical: Será necessário um par de piolet de tipo “T”, criados para serem usados como piolet tracção. Um com pá e outro com ceptro (para colocar pitões). Se for necessário colocar muitos pitões, poderá ser necessária uma 3ª ferramenta auxiliar, o martelo piolet. É importante que tenham umas boas trelas. 50 a 55 cm.

6. Escalada em gelo: par de piolet tipo “T”, no entanto os picos podem ser do tipo “B”. Pode ser aconselhável que possuam trelas que se possam soltar facilmente do piolet e bons apoios no manípulo para as mãos. Com uns 50 cm. Uma 3ª ferramenta pode ser útil na altura de colocar parafusos de gelo ou pitões, enquanto estamos seguros pelos piolet. O uso de pá ou ceptro depende da situação. Para uso desportivo, podem inclusive eliminar-se ambas e usar sem trela.


7. Dry-tooling: Como os piolet de gelo, mas com picos tipo “T” muito resistentes. Em determinados piolet as cabeças têm formas especiais que permitem engachamentos inversos e outras extravagâncias. Os manípulos podem dispor de 2 zonas diferenciadas para permitir diversas formas de agarre.

Conselhos e recomendações

Como acontece com toda a ferramenta, devem seguir-se umas directrizes para a sua conservação e uso, especialmente quando desta ferramenta pode depender a tua integridade física.

Cuidados e conservação do piolet

. Não aquecer nunca o aço, por nenhum motivo. O tratamento térmico resultaria em danificação do material (destemperamento) e por conseguinte a resistência e duração do piolet.

. Ainda que um pouco de óxido não debilite o aço, será melhor que não oxide. Por isso deve limpar-se e secar sempre o piolet, depois do seu uso. Nunca se deve guardar molhado. Se ficar guardado durante bastante tempo sem usar, é conveniente dar-lhe um banho com uma fina camada de óleo e guardá-lo num local seco.

. Deve ser inspeccionado cuidadosamente antes e depois de cada uso, procurando rachadelas ou partes que se tenham afrouxado.

. Se tivermos um piolet modular, não seria má ideia possuir um bico de substituição.

. Se golpearmos os crampons com o piolet, para retirar os tamancos de neve, estragamos a pintura do piolet. Isto não tem influência na sua resistência, mas sim no seu aspecto.

. Se usarmos o piolet em gelo, este deve estar adequadamente afiado. Para o afiar usa-se uma lima fina e deve-se afiar lentamente, para evitar que aqueça o metal. Quanto mais duro for o gelo, maior deve ser o afiamento do piolet, no entanto quanto mais afiado for, maior desgaste sofre.

. Durante o seu transporte é aconselhável proteger as partes afiadas do piolet (pico, pá e virola) para evitar picar ou romper outras peças do equipamento (teixteis principalmente). Não há necessidade de comprar nada, com um pouco de mangueira de jardim, conseguem-se fazer boas protecções.

Trelas

. O piolet deve ser sempre usado com uma trela de qualidade.

. A trela deve estar sempre presa à cabeça do piolet.

. As que trazem um aro plástico em volta do manípulo, não servem para um uso técnico.

. Se o teu piolet não tiver uma trela em condições, podes comprar uma com pouco dinheiro ou podes fazer uma com uma cinta ou um cordino.


Como pegar no piolet enquanto caminhamos

Agarrar o piolet, com a mão por cima da cabeça do mesmo colocando os dedos anelar e mindinho por debaixo da pá, o dedo do meio estendido sobre o manípulo, o dedo indicador estendido sobre o pico e o dedo polegar na parte contrária do manípulo, estendido sobre ele. Em muitas ocasiões dobra-se o dedo indicador por debaixo do pico, pois segura-se melhor o piolet, no entanto em caso de neve dura ou mole, se o segurarmos desta forma, o piolet introduz-se até ao fundo na neve, podendo provocar o achatamento do mesmo.

O transporte do piolet

Quando não se estiver a utilizar o piolet, deve-se transportar das seguintes maneiras:


a)Na mochila, preso e com protecção no pico, na pá e na virola.

b)Na mão, pegando pelo centro de gravidade, com o pico voltado para o solo e a virola para a frente.

c)Entre a almofada da nossa mochila e as nossas costas, com protecção no pico, na pá e na virola.

Segurança e aprendizagem

. Antes de te lançares a comprar crampons ou piolet, pede emprestado ou aluga e principalmente, aprende a usar os mesmos. Procura alguém que te ensine, ou inscreve-te num curso.

. A falta de conhecimentos e/ou prática com os crampons e o piolet, provocam imensos acidentes e no entanto, se não sabes usar o piolet, este não te serve para nada, servirá porventura para te tirar um olho a ti ou a um companheiro.

. O facto de transportarmos crampons e piolet sem os saber usar, pode-nos levar a uma falsa sensação de segurança que pode ser causa de acidentes. As técnicas de auto-detenção com piolet não são inatas ao ser humano humano. É preciso aprender e praticar bastante.

Boas caminhadas, com segurança.

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