28 março 2012

Ancoragens na neve e no gelo

A neve é um meio sujeito a variações notáveis e a sua solidez é de difícil avaliação. Por esse motivo, as ancoragens e os procedimentos de asseguramento devem ser efectuados meticulosamente com a finalidade de se conseguir as melhores garantias de segurança possíveis. Quando seja necessário abandonar parte do equipamento, para realizar algumas das ancoragens deve-se valorizar o seguinte:

. A segurança, que prima sobre outras considerações.
. A necessidade de empregar, subesequentemente ao dito material.
. A utilização do material imprescindível.



Posto isto passamos a descrever algumas das principais ancoragens possíveis de realizar na neve:

PIOLET VERTICAL

O piolet pode ser utilizado como ancoragem de várias formas, sendo a mais habitual, a denominada “piolet vertical”. Deve-se cravar o piolet o mais fundo possível e a tracção sobre ele será exercida o mais próximo possível da neve, para isso talha-se um socalco na neve, cravando o piolet ligeiramente inclinado para a pendente de forma a aumentar a sua resistência.



A corda ficará por cima da neve evitando o efeito de alavanca.



Esta colocação do piolet utiliza-se em neves com uma certa consistência em toda a sua espessura. Uma variante desta posição consiste em fixar um cordino à cabeça do piolet ajustando-o ao manípulo por intermédio de um nó prusik, colocando o piolet como no caso anterior. Com o cordino corta-se a neve tracionando para baixo de modo que forme um ângulo muito reduzido com a pendente. Desta forma consegue-se maior resistência.





Para se tornar ainda mais seguro, este sistema pode ser efectuado com 2 ou 3 piolets se os tivermos disponíveis.





PIOLET HORIZONTAL

É a ancoragem com piolet mais fiável e também a mais trabalhosa. A sua eficácia é boa, inclusive em neve macia. Escava-se na neve um buraco com forma rectangular de profundidade variável, conforme o estado da mesma. Nesse buraco coloca-se o piolet com o bico voltado para a pendente e perpendicularmente à tracção, de forma que o manípulo seja também perpendicular à direcção de tracção.



Previamente coloca-se uma argola no centro do mesmo com um nó prusik. O extremo desta argola fica na superfície para ser usado. Uma vez enterrado o piolet, a neve é pisada para ficar mais consistente.







Para desenterrar o piolet, normalmente é necessário escavar de novo o buraco. Para um correcto funcionamento deve-se ter uma argola comprida e escavar um canal profundo para a mesma. Usando a técnica descrita na figura a seguir, consegue-se recuperar o piolet em caso de necessidade.



ÂNCORA DE NEVE

É o melhor sistema para segurar sobre neve pouco consistente. A sua eficácia depende da sua correcta utilização no que diz respeito a profundidade e ângulo de trabalho. Sendo assim, a profundidade será maior quanto mais macia seja a neve e o ângulo de trabalho situa-se por volta do 45º relativamente à pendente.





Inicialmente o cabo de aço estende-se perpendicular à placa da âncora e posteriormente corta-se a neve com o mesmo cabo na direcção da tracção, colocando-o paralelo à pendente.



ESTACA DE NEVE

A sua colocação é idêntida ao piolet vertical ou horizontal. Geralmente crava-se com golpes de martelo, ligeiramente inclinada para a pendente. Normalmente escava-se uma pegada com o piolet para introduzir a estaca com maior facilidade. Se o perfil tiver forma de “L”, de forma a que actue correctamente, deverá introduzir-se com o vértice voltado para o vale e a cima do escalador, de forma que a tracção exercida sobre ela, a obrigue a afundar-se mais.



A estaca pode ter vários furos dispostos para passar um cordino ou cinta, de modo que o ponto de tracção fique o mais próximo possível da neve, quando a estaca estiver parcialmente introduzida.



Sempre que seja possível, a estaca deve ser enterrada totalmente, de forma que apenas fique visível o cordino. Ainda assim pode-se reforçar com outra estaca, martelo, etc, enterrado horizontalmente à estaca.



SETA DE NEVE

É a ancoragem natural por excelência. A sua resistência funciona em função directa do seu tamanho e da dureza da neve. Pode ser talhada em neve dura ou em neve fofa previamente prensada. Neste ultimo caso pode ter até 3 metros de largura e 45 cm de profundidade.



Em volta da seta é preferível colocar uma cinta em vez de corda, pois distribui melhor a carga sobre uma superfície maior. Mesmo assim, é conveniente reforçar a neve colocando roupa, luvas, pedras… entre a corda ou cinta e a seta.



É fundamental saber realizar correctamente esta ancoragem, pelo facto de ser rápida de fazer e ser mais sólida do que o que parece.











De seguida passamos a descrever algumas das principais ancoragens possíveis de realizar no gelo:

Da mesma forma que a neve, o gelo possui uma grande variedade de qualidades e consistências. Geralmente proporciona um bom meio de segurança nas ancoragens. Realizar uma ancoragem no gelo, normalmente demora mais tempo e dispende mais energia do que se for realizado em rochas. É preferível , sempre que seja possível, realizar as ancoragens em rochas próximas, ganhando em rapidez e segurança.

PIOLET

O pico do piolet é a ancoragem mais imediata de que dispomos em pendentes de gelo fácil, podendo ser utilizado como segurança de circunstância na progressão.

PITÕES OU PARAFUSOS DE GELO

Cada tipo de pitão tem uma forma diferente de colocação: a rosca, o martelo ou mista. O pitão de gelo tubular com núcleo oco é actualmente o modelo mais resistente e seguro e deve utilizar-se sempre que possível.



A resistência de um pitão de gelo utilizado como ancoragem, reside em função dos seguintes factores:

. Resistencia real do material que constitue o pitão. Actualmente é elevada, podendo chegar a mais de 2.000 kg, O seu ponto mais frágil é a orelha (argola).

. Comprimento do mesmo que fica introduzido na neve. A profundidade é um factor determinante, pois condiciona a resistência à avulsão e diminui o efeito de alavanca em relação à possível tracção.

. Inclinação de colocação. Para obter uma maior resistência, devem colocar-se com um ângulo de 45º a 60º com a pendente, o que normalmente obriga a fazer um entalhe. Em pendentes moderadas e fortes é possível de realizar, no entanto não o é em secções verticais, onde, devido às dificuldades do local é considerado aceitável um ângulo inferior a 90º com a pendente.

. Consistência do gelo. A temperatura é um factor determinante sobre a qualidade do gelo, pois o seu efeito sobre este é directo. Com valores acima dos zero graus, a resistência logicamente diminui.



É importante assinalar as seguintes precauções quando utilizarmos os pitões de gelo como ancoragem:
. Colocar em depressões e não em pretuberâncias.
. Limpar a superfície do gelo quando seja necessário.
. Eliminar o braço de alavanca nos pitões não introduzidos totalmente.
. Introduzir os pitões mais lentamente quanto mais duro e quebradiço seja o gelo.



SETAS DE GELO

É a ancoragem natural mais pratica e mais segura. Se for feita com gelo duro e sólido, uma seta pode ser mais resistente que uma corda. Para a sua realização, começa-se cortando o contorno cuidadosamente com pico do piolet. Em gelo duro são necessários entre 30 e 40 cm de largura por 50 cm de comprimento. A vala em volta da seta faz-se do contorno para o exterior. A profundidade da vala deve ter pelo menos 15 cm entre laterais e parte superior. O trabalhar destas áreas é a parte mais delicada do processo, visto que um golpe do piolet pode fracturar ou criar gretas estragando todo o trabalho. A parte inferior não se trabalha, apenas se realizam umas estrias na superfície para que a tracção da corda seja a ideal.



COLUNAS E PONTAS DE GELO

São formações naturais susceptiveis de ser utilizadas como ancoragens, colocando uns aneis ou cintas à sua volta. A sua resistência dependerá da espessura das mesmas.



PONTES DE GELO

Fazem-se com um pitão, com o qual se unem os buracos, de forma que estes orifícios convergentes permitam a passagem de um cordino ou cinta, da mesma forma que na rocha.



SEGURANÇA EM NEVE. GENERALIDADES

Os sistemas de segurança em rocha são da mesma forma válidos. Pelo facto de na neve os sistemas de ancoragem serem menos resistentes que na rocha, a carateristica principal da segurança em neve será empregar o sistema dinâmico de forma que a detenção das quedas seja mais progressiva. O momento crítico de qualquer queda é o puxão inicial e nesse ponto não se deve bloquear a corda, mas sim deixar deslizar originando um freio mais progressivo até à detenção total. Por outro lado, a queda do primeiro da cordada quase nunca será um voo, mas sim um deslizamento sobre a pendente. O roçamento sobre a neve ajudará a realizar a detenção de forma progressiva, de maneira que não exercem grande tensão sobre a ancoragem. Deve-se tentar realizar as ancoragens em zonas em que a pendente seja menor e a consistência da neve maior. A rapidez é um elemento importante de segurança em escaladas na neve, de forma a reduzir os perigos objectivos. Devem portanto evitar-se as paragens desnecessárias. A temperatura é um dos factores mais determinantes nas condições da neve. Devido a este facto,as ascensões devem começar bem cedo, aproveitando as horas de frio, o que evitará deparar com as neves em más condições e os seus perigos adjacentes. Na prática, as ascensões em neve com pendentes moderadas escalam-se em cordada. Nestas situações apenas se recorre ao asseguramento nos passos mais delicados.



O montanheiro mais experiente deve ir sempre na frente. Seguidamente descrevemos os procedimentos de segurança que se podem aplicar indistintamente ao primeiro e ao segundo ou terceiro da cordada em cada caso.

COM O CORPO

Quando se escala encordado, a detenção dinâmica com o corpo e a corda é a forma instintiva mais simples para deter o escalador que sofre uma queda. Quando ocorre, o homem que está encarregado da detenção da queda deve levar uma gaze de corda nas mãos, não as pode soltar, mas usa-as como freio dinâmico, ao deixar deslizar a corda na mão fechada. Praticamente ao mesmo tempo, é preciso ter a reacção de afundar o piolet na pendente enterrando-o na neve. O quadril do lado da pendente permanece junto ao piolet, mantendo a perna do vale esticada na direcção do deslizamento. O braço que segura as gazes estica-se longitudinalmente à perna do vale, enquanto a perna da pendente se flexiona até ao piolet.



PIOLET BOTA

É um sistema de rápida realização. A segurança efectua-se no acontecimento de uma detenção momentânea, para corrigir alguma passagem difícil ou ressalto curto, onde o risco de uma queda seja mais elevado. Confecciona-se uma plataforma para colocar a bota e o piolet, cravando este último na parte interior. O escalador segurador coloca-se lateralmente em relação à linha de queda. A perna do lado do vale mantém-se esticada e rígida para reforçar a postura enquanto a mão superior segura o piolet. A corda que passa na bota rodeia o manípulo do piolet e é segura em volta do tornozelo com a mão do lado do vale, controlando o deslizamento. É importante repartir correctamente o peso entre o pé e a mão que segura o piolet. A detenção da corda realiza-se pela fricção provocada entre a corda, a bota e o tornozelo.



PIOLET VERTICAL

Utiliza-se em pendentes mais pronunciadas. O piolet crava-se com as duas mãos, servindo de segurança. Também nos podemos autosegurar ao piolet unindo-o ao nosso arnês com um cordino ou com a própria corda da cordada. Em caso de necessidade coloca-se o peso do corpo sobre o piolet.



PIOLET QUADRIL

A posição é parecida com a utilizada no procedimento de segurança “com o corpo”, com a diferença que a corda passa em volta dos quadris e do manípulo do piolet, sempre presa pela mão do lado do vale. É conveniente que o escalador fique autosseguro ao piolet. Este procedimento é utilizado em pendentes medias.



SENTADO COM SEGURANÇA NAS COSTAS

É a forma mais segura e eficaz de instalar uma reunião na neve. O escalador instala uma ancoragem na neve e prepara uma trincheira mais abaixo para se sentar com as pernas esticadas e com os pés bem firmes. Uma vez fixa a ancoragem que fica acima do escalador e nas suas costas, segurará o seu companheiro, passando a corda pelo quadril, segurando-a com ambas as mãos. Se acontecer uma queda, a mão que segura o extremo livre da corda, finca-a sobre a cintura provocando o atrito necessário para a detenção progressiva. A corda de união ao autosseguro deve passar pela lateral da que vai ao segurado de forma que ao tensionar-se, evite uma rotação do corpo. Um mosquetão colocado no arnês por onde passe a corda do segurado ajuda à detenção.



Apresentamos neste artigo os principais métodos de autosseguro, realizados na neve e em gelo.


No entanto convém alertar que não devem tentar efectuar estas técnicas sozinhos e devem sempre procurar alguém com experiência nas mesmas para fornecerem conhecimentos e formação nesta área, pois na prática existem muitos mais pormenores e maiores dificuldades do que as aqui apresentadas.

Boas caminhadas com segurança e consciência.

2 comentários:

  1. Excelente artigo! Afianço que tudo funciona pois já os experimentei :-)
    O nome mais comum para as pontes de gelo é: Abalakov!
    Já agora envio um link interessante : http://youtu.be/Wr1l3sXrvLc

    Venham de lá mais artigos :-)
    Abraço

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    1. obrigado Jorge, já publicamos no Facebook a tua partilha. Obrigado

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comentários